Gaetano Gallino. Ano de 1845 na cidade Zumblick
Uma amiga portuguesa me perguntou quem foi Anita Garibaldi. Respondi ser uma brasileira catarinense de nome Ana Maria de Jesus Ribeiro, que viveu na primeira metade do século XIX, considerada “heroína de dois mundos”, por lutar na América do Sul e na Europa. No Brasil lutou pela Revolução Farroupilha e no Uruguai contra as tropas argentinas que visavam controlar o comércio no Rio da Prata. Já na Itália, seu grande feito foi lutar pela unificação do país, combatendo ao lado do companheiro Giuseppe Garibaldi, também consagrado herói.
Ana, para o mundo, ficou conhecida como Anita, devido à dificuldade de pronúncia de Garibaldi que assim a tratava. A jovem guerreira atuou efetivamente nos movimentos revolucionários a diferentes países: Brasil, Uruguai, San Marino e Itália. Exemplo de bravura que motivou os italianos na busca pela unificação do país.
À época de Ana, a atividade comercial do Estado de Santa Catarina era insipiente, mas seus entrepostos marítimos contavam com o Porto de Laguna (cidade que serviu de marco territorial ao Tratado de Tordesilhas), movimentado com o comércio terrestre e marítimo. Duzentos quilômetros distantes dali, em altitude a cerca de 900m, situava-se o município de Lages, com seus vilarejos circunvizinhos no Planalto Serrano, onde predominava a atividade agropecuária. O transporte de mercadorias, a exemplo do sal e dos produtos industrializados, como lampiões, enxadas e outros artigos, eram levados à serra. Já o charque, pinhão, canjica, fubá, jacás de fumo em corda, enchidos defumados, toucinho salgado e torresmo, iam de Lages para o litoral; mercadorias essas, transportadas nos seirões (grandes cestos oblongos atrelados às cangalhas) sobre lombos de muares e asininos, dado o caminho íngreme, acidentado, possível apenas para animais de cargas ou cavalo de montaria individual que, além da sela encilhada, levava à garupa nos peçuelos (espécie de dois alforjes – um de cada lado das ancas do animal em couro curtido) roupas e utensílios pessoais, sobreposto à presilha do laço (em tentos de couro cru tramados) ou do sovéu (fino e curto laço grosseiro em três tentos de couro cru torcidos – tipo corda). Demais ferramentas, alimento e roupas iam nas bruacas (grandes malas retangulares – uma de cada lado da cavalgadura, em couro cru, costuradas à mão com tentos de couro cru), transportadas por animais cargueiros.
Ana nasceu de pais tropeiros – talvez até em uma dessas tropeadas, num trecho do caminho entre as duas cidades, enquanto conduziam uma tropa de bovino a Laguna para uma feira pecuária. É fato que, desde menina, ela acompanhava os progenitores nas jornadas, tornando-se exímia amazona nas lidas das tropeadas.
Ainda adolescente, Ana se casa com um morador de Laguna, tamanqueiro por profissão, cujo enlace pouco durou devido às diferenças de gênios, culturas e costumes. Com a separação do casal, ela passa a morar com parentes, enquanto ele se alista na Guarda Nacional do Império, que lutava contra a revolta republicana, que veio a se instalar na região sul do Brasil. Ao conhecer o revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi, decidida, Anita se junta às suas tropas contrárias ao Império, surpreendendo a todos pela denodada bravura em combate. Ao tempo em que viveu com Garibaldi, ela se superou nas batalhas, lutando até seu último instante de vida.
Obs.: um relato curioso narrado pelo senhor Jacinto Bagio, 94 anos, quanto ao transporte de mercadorias à época. Isso ilustra a vida campeira daquele tempo, transportando porcos:
Alegoria da Revolução – Anita, Anita, pelo artista brasileiro
óleo sobre papel sobreposto a cartão; Galdino Guttmann Bicho, 1919
de Johann Moritz Rugendas, 1846-48
ANA MARIA
Do grande amor de um tropeiro
E de um cavalgante ventre,
Entre equinos, gado e entre
Jornadas sem paradeiro,
Ana de Jesus Ribeiro
Nasceu; e um certo retardo
Foi feito para o resguardo.
Pra mãe não ficar sozinha,
A comitiva inteirinha
Parou também no aguardo.
Depois de uns dias passados
De repouso e muito zelo
Reuniram o sinuelo
Com o gado, dos dois lados
Da via. Já encilhados
Os cavalos, mulas cargueiras
Carregadas e pelas beiras
Da sinuosa estrada
Iniciaram a jornada,
Atrasados para as feiras.
Ana de Jesus Ribeiro,
Apelidada de Aninha,
Das veias paternas tinha
Bons dotes de cavaleiro
Herdados do pai boiadeiro,
Visto que desde menina
Foi a criança ladina
Que aprendeu cedo e seria
Melhor que ele em montaria
Por ter bem mais disciplina.
Um dia, em pelo, ao cavalo
Sem sela e só barbicacho,
Aninha enfrentou um macho
Atrevido e, ao surrá-lo
Ele cai dentro de um valo
E quase perde sua vida.
Mas Ana o socorre em lida
Sozinha, essa heroína,
Adolescente menina,
Tornando-se bem conhecida.
Contam que a moça, a trote
Ligeiro, de erguido relho,
Correu atrás do fedelho
Por entender ser preciso
Que ele tomasse juízo.
O moço, em disparada
Zarpou. À margem da estrada
O cavalo tropeçando
Derruba o jovem. Foi quando
Ana o livra da enrascada.
Esse, o primeiro feito
De denodo e valentia
Da rapariga, que iria
Levar-lhe a um conceito
De nobreza por seu jeito
Altruístico e de valor,
Perdoando o pecador
Mas condenando o pecado,
Pelo tratamento dado
A um filho do Criador.
*Por Laerte Tavares
Selos postais
Anita com seu chapéu de feltro
(calabrês) com penacho
*Em alguns registros, autores destacam a importante participação feminina, mesmo que indiretamente, na Guerra dos Farrapos. Diversas mulheres assumiram os negócios da família enquanto seus maridos e filhos lutavam na guerra. Outras, na maioria índias, anônimas em relação à Anita, acompanharam seus maridos nos campos de batalha. Muitas delas tomavam conta das pontas de gado, da munição, tratavam os feridos e algumas até pegavam em armas na defesa contra o inimigo.
Anita, (obra) morte ocorrida em Mandriole, Itália. Instante em
que as tropas garibaldinas fugiam das tropas suíças. Acometida
por uma crise de febre tifoide, Anita falece em 4 de agosto
de 1849, grávida de cinco meses do quinto filho.
Giuseppe Garibaldi – retrato Risorgimento
italiano, Duroni, Alessandro; Pozzi, T. A.
Collocazione: Lovere (BG), Accademia
di Belle Arti Tadini. Museo Cassioli
Pittura senese dell'Ottocento
Narrativa escrita por Garibaldi, entregue ao
seu amigo e admirador Alexandre Dumas (pai),
que publica no final de 1860.
Monumento em homenagem à Anita Garibaldi,
na cidade de Laguna, SC
Monumento no Janículo, em Roma, Itália. (obra de Mario Rutelli).
Retrata Anita, quando da passagem em que fugia carregando
o filho Menotti, de 12 dias, ao serem atacados em São Luís das
Mostardas/RS em setembro de 1840
Letra para o hino em homenagem à heroína - 1915.Material referente ao “Levantamento Bibliográfico, Anita Garibaldi.
Pesquisa realizada nos Jornais Catarinenses da Biblioteca Pública
de Santa Catarina, disponíveis na Hemeroteca Digital Catarinense
e Hemeroteca Digital Brasileira (1889 – 1968).”
Organizado por Helen Moro de Luca
Lanchão, suspenso sobre rodas atrelado a juntas de
bois – carregado até o rio Tramandaí-RS
Varais com charque (carne-seca) – Rio Grande do Sul. Fonte: GZH/RS
O charque do Rio Grande do Sul abastecia o mercado interno, mas com os
altos tributos sobre o sal, o couro bovino mais o charque (alimento
principal dos escravos), gerou a insatisfação entre os estancieiros. As altas
taxas teriam levado os produtores gaúchos a lutar pela independência
do estado em relação ao governo central, o que motivou os conflitos.
Os farroupilhas almejavam uma República Federativa permitindo
autonomia às leis, para a economia local.
"A Heroína de Dois Mundos"-
Documentário – Anita Garibaldi / Amores e Guerras:
Pergunta que não cala e insistente,
Mas sempre sem razão: Quem foi Anita?
Respondo ser um ente que gravita
À frente do seu tempo – muito à frente!
Exímia em equitação, sóbria e valente
Era a bela donzela e esquisita
Fera indomável e arisca que habita
A selva virgem, solta e independente.
Quando acuada, mostrava quem era.
Punha de fora as garras de pantera
A incendiar o mundo, a leve chama.
E essa indomável peregrina fera
Se fez universal, em atmosfera
De guerra heroica, a heroína dama.