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quarta-feira, 14 de agosto de 2019

PROVA DE VIDA...

Imagem - Iinternet

Recebo uma pequena importância numerária da previdência social pública, tendo ela por lei, descontado de meus salários quando em atividade numa empresa pública que me contratou como engenheiro logo que me formei - não cabendo a ela recolher menos que certo percentual sobre o valor de vinte salários mínimos vigentes à época. O tempo passou, as coisas mudaram e recebo muitíssimo menos do que a promessa com base em vinte salários. Mas no segundo ano decorrido de minha aposentadoria houve uns meses que não me pagaram. Procurei saber o porquê e fui informado que eu não havia feito a PROVA DE VIDA e, portanto, me cortaram. Pensei: deram-me por morto. Preenchi formulário, dois meses depois vieram os atrasados e aprendi a lição: todos os anos tenho que dar prova de estar vivo. E para não deixar passar o prazo, recomendaram-me que o fizesse no mês de meu aniversário.
Como sou leonino, acabei de chegar da instituição financeira que me paga, após provar que estou vivo. Lembrei: tenho um poema sobre o incerto, a incerteza, a inexorabilidade do tempo ou o fim da corrente de um rio que ante o mar se apavora. Vou postar isso na minha página e o faço, pois: 




VELHICE
Autor: Laerte Tavares

Lembro que um dia alguém disse,
Sendo eu ainda menino
Ingênuo e com pouco tino,
Que era uma “eme”, a velhice.
Hoje, eu velho, a rabugice
Faz-me ver bem ao contrário.
Velhice é o sedentário
Estágio do rio corrente
Que somos e quando, à frente,
Forma um grande estuário.

O mar para o rio é a morte,
Mas o estuário é a largura
Maior de sua estrutura
A dar-lhe um enorme porte
Espraiado, intenso e forte,
No estágio em que teme o mar.
E assim, dá de comparar
O rio com a vida da gente:
Estuamos de repente
Vendo o fim se aproximar.

Então, o homem maduro
Torna-se equilibrado
Por ter um enorme passado,
Um presente mais seguro
E um insondável futuro
Que dá medo do porvir,
Fazendo-o refletir 
Diante de um fim incerto
Comparado ao mar aberto
Prenunciando o engolir.  

Sou velho, mas bem vivido
E preso a profundos laços.
Eu me extravaso em abraços
Dando à vida mais sentido
A mim e ao ente querido
Que eu abrace com calor
Por qualquer razão que for.
Isso faz a criatura
Sentir na alma mais ternura
E no coração mais amor. 

Quando eu for lançado ao mar,
Daí sim: será a “eme”!
Não sei se ainda terei leme,
Bússola, sonda ou sonar;
Âncora para ancorar;
Nem se sextante e timão
Em minhas mãos estarão
Ou singrarei à deriva
Em embarcação primitiva
Sem remo e sem guarnição. 

Ao mar? Só depois de morto.
Onde eu me farei às velas?
Em águas calmas, procelas?
Singrarei em rumo torto?
Chegarei em algum porto?
Encontrarei a concórdia 
Ou abalroarei à mixórdia?
Só sei que o cais de atracada
Será um cais onde há o nada
Ou o cais da misericórdia!

Na vida há rumo, há um norte!
Porém, eu depois de morto
Não saberei em que porto
A minha nau de transporte
Levar-me-á pós a morte.
Por isso, em vida eu bem vivo.
Velho, mas tenho motivo
Para viver bem feliz:
Achei o amor que me quis
E o amor é o meu lenitivo. 




quinta-feira, 1 de agosto de 2019

OVA DE TAINHA – IGUARIA SEM-PAR

Imagem Internet

Quase finda a safra da tainha do corrente ano no litoral de Santa Catarina, a cobiçada ova desse peixe, em que a escassez elevou o preço aos mais altos níveis do patamar costumeiro, dá os últimos estertores de ocorrência. Nosso caviar brasileiro é apreciadíssimo, sobretudo em forma de botarga  processo quando a ova é tratada. Instante em que se retira o sangue para então salgá-la e desidratá-la em estufa e assim ser levada ao sol por até um mês, ficando própria ao consumo. Depois de pronta, é iguaria sem-par aos paladares refinados, principalmente na Itália, país de grande demanda importadora do nosso produto.     
técnica de preparo de ovas secas tem origem no Egito, há mais de três mil e quinhentos anos. Partindo de pescadores artesanais, a ova é consumida preferencialmente frita acompanhada da farinha de mandioca. Como petisco, costuma-se degustá-la apenas frita, bebendo uma “loira gelada” (cerveja) ou vinho.
Na cidade de Florianópolis foi fundada em 1857, pelo Imperador Dom Pedro II, a Escola de Aprendizes-Marinheiros de Santa Catarina, na qual preparam jovens, em regime de internato, para o serviço à nação. 
Em certa época, seu João um grande marinheiro, depois de aposentado, optou pela profissão de motorista de taxi. Na função, após conhecer o mundo viajando em navios nos quais serviu à Marinha do Brasil, queria conhecer melhor sua cidade natal, externava ele. Era um homem falante e contador das histórias vivenciadas. Cativante na fala mansa, pausada e comedida de um velho marujo cauteloso que não embarcaria em escaler furado.
Como engenheiro fiscal da Agência Caixa Econômica Federal, tive a oportunidade de ter os serviços de seu João a serviço de minha função, por ocasião em que a Caixa o contratou para traslados em minhas vistorias de imóveis sob hipoteca daquela entidade financeira... Ouvi muitas histórias, mas uma, a da ova de tainha, eu deixo aos “experts da área” para que avaliem a veracidade. Reforço que João não foi pescador, e sim marinheiro.
Contou-me ele, que seu navio atracou em porto determinado onde a safra da tainha estava no auge da fartura. Houve um convite aos oficiais do comando da nave para a festa local em que a ova de tainha com cerveja não tinha restrição à demanda gratuita. João juntou-se aos convidados a serviço de um oficial, mas com direito apenas a comida, degustando algumas ovas e postas de tainhas fritas e o peixe na brasa. Os festejos estenderam-se das onze da manhã até ao cair da tarde, com ele sóbrio e a maioria levemente alterada pelo trago etílico.
Segundo João, ficou na memória o maior dos fatos que aconteceu com um jovem tenente de origem nordestina do Brasil, que se encantou pela ova frita. Não parava de repetir o acepipe saboroso. A ova oleosa, embora se pareça seca à deglutição... Ao fim da tarde, observaram no traseiro da farda branca do tenente, conforme suas idas e vindas ao banheiro para descarregar a destilação do líquido, uma enorme mancha amarela oriunda do óleo de peixe escorrido do intestino do eufórico glutão, sem que ele notasse o escapamento espontâneo. Os colegas tiveram de arranjar uma calça limpa ao desavisado e obrigá-lo a forçar a evacuação da excedente matéria, ao que confessou a vítima, após o procedimento, ter sido o produto resultante  puro óleo.