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segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O NATAL EM PANDEMIA?

 



                           A PANDEMIA E O NATAL 2020 


    Vivemos um ano atípico e sui generis em que a quarentena nos fez escravos do lar, sedentários e comilões, mas arejou nossas cabeças, dada a mente transitar por caminhos antes não trilhados, deixando o espírito mais receptivo ao bem diante da constatação de nossa enorme pequenez. Sim, creio que o humano ser melhorou em muitos aspectos, porém exacerbou nos sete pecados capitais: gula, avareza (compulsoriamente), inveja (do passado), ira (irritação com os familiares amados), soberba ou vaidade, luxúria e preguiça. 

    Lawrence George Durrell, autor da tetralogia Quarteto de Alexandria, dizia que o homem é uma vaidade sobre um par de pernas. Nunca tive noção exata dessa assertiva, só podendo constatar durante esta prolongada quarentena junto a alguns queridos amigos e conhecidos, nos momentos em que até se presenciava alguns cultos ao ego. Seria a síndrome do apagão individual quarentenário que reprime o ser para a explosão do ego na necessidade de aparecer a qualquer custo ou pretexto? E à sombra da estatura desse ser ante os percalços causados pela pandemia, não perdoando o destino, ele blasfema maldizendo a sorte, sob todos os aspectos, pelos estorvos a tolher-lhe às festividades de final do ano?... Sempre se ouviu a humanidade reclamar por falta de tempo. E, agora?... Em casa... No máximo em “Home Oficce”? O que dizer? O tempo de “Chronos” poderá passar ao largo, aquele que às vezes nos oprime com seu peso de “velocidade inercial”, mas o tempo de “Kairós” a representar gozos, regozijo e sonho, é precioso... Considerando que a pandemia matou muita gente e continua matando, em situações dramáticas e lamentáveis, é entristecedor esse tempo. Porém, jamais me deixei levar por devaneios histéricos. Assim, meu Natal será Natal como sempre foi - em casa com a família, apenas.



Natal triste, em pandemia?

Não! Porque o Natal é luz. 

Sinto o Menino Jesus 

Mais próximo a mim, diria.

 

E vejo a Virgem Maria 

Na minha sala, onde a pus 

No presépio a fazer jus 

À estrela que a alumia,

 

Mais minha mãe; O Menino,

Mais fraterno! Por divino

Sinto-me, na quarentena 

 

Com a Família Sagrada.

Dentro do ser há em cada

Um, o ser de amor nessa cena!

 


UM PRESENTE CELESTIAL

 

Neste ano, especialmente,

Deus nos oferta ao Natal 

Fenômeno celestial 

Como um divino presente 

 

De um alinhamento aparente: 

 Saturno e Júpiter em astral 

Conjugação natural 

Formam, ao céu, um só ente

 

E pode-se ver ele bem

Como a Estrela de Belém

Que guiou os três reis magos.

 

É um mimo feito de luz 

Com o qual o Menino Jesus

Faz, ora em nós, seus afagos!

 


NATAL 


Quando é dezembro, o calor 

Traz a cigarra e o seu canto 

De encantamento ou encanto,

Como se uma festa de amor! 

 

Na atmosfera há um torpor 

Na luz parecendo um manto 

De brilho e paz. Entretanto, 

Há uma profusão de labor.

 

Labor festivo, também! 

É um advento, o qual tem

Grande esplendor que, ao final, 

 

Ilumina a alma e vem 

Do Altíssimo – do além

Anunciando o Natal!

terça-feira, 24 de novembro de 2020

O CISNE NEGRO – NOSSO POETA SIMBOLISTA

 

Imagem do poeta pintada em lateral de edifício central em Florianópolis, SC - foto Internet

    Vinte e quatro de novembro, ao Olimpo, mais um membro é recebido com glória! Mais um deus que se introduz e, em homenagem ao Cruz, dá-se em luz outra alvorada rosicler à poesia. Nasce a aurora em novo dia de luz ao Cruz e às musas que vêm na assinalada figura, o “louco da imortal loucura”, um guia ou fiel soldado do Simbolismo que induz, talvez, por glória do Cruz à perpetuação da Escola Simbolista no Brasil para felicidade dos poetas coevos de língua portuguesa, como António Nobre, em Portugal, e dos vindouros artistas da poesia. 


O ASSINALADO


Autor: Cruz e Sousa

 

Tu és o louco da imortal loucura,

O louco da loucura mais suprema.

A Terra é sempre a tua negra algema,

Prende-te nela a extrema Desventura.

 

Mas essa mesma algema de amargura,

Mas essa mesma Desventura extrema

Faz que tu'alma suplicando gema

E rebente em estrelas de ternura.

 

Tu és o Poeta, o grande Assinalado

Que povoas o mundo despovoado,

De belezas eternas, pouco a pouco...

 

Na Natureza prodigiosa e rica

Toda a audácia dos nervos justifica

Os teus espasmos imortais de louco!

 

Há outra postagem anterior sobre Cruz e Sousa em:

https://silolirico.blogspot.com/2016/11/cruz-e-souza-o-simbolista-brasileiro.html

 

O POETA 
AUTOR: Laerte Tavares 

És o imortal da imortal poesia  

Que permanece aqui bem viva e forte! 

Tua obra eternizou-se, de tal sorte,  

Que ela te eterniza em mesma via. 

 

Via da luz que, às almas, alumia

Como um farol a dar ao nauta o norte

E ao Simbolismo, esse eterno suporte 

Canônico modelo, que é um guia.

 

A tua poesia é arte pura 

Que encanta, que deleita e transfigura 

A alma humana, pois, do ser mortal. 

 

E a tua prosa é tão maravilhosa 

Que quando nossa alma a sente, goza 

De grande enlevo, o mais transcendental. 


Novo livro de poemas:



terça-feira, 27 de outubro de 2020

CÂNTICO HOMENAGEANDO OS CEM ANOS DA ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS


Selo comemorativo aos cem anos da ACL

     Comoveu-me o grande maestro José Ribeiro, o popular Zezinho, que ao ler na minha página literária os modestos versos que fiz enaltecendo nossa Academia Catarinense de Letras, ele compôs daquilo um excelente canto em homenagem aos cem anos de nossa academia, depois de me pedir licença para introduzir um refrão à letra.


Salve a nossa Academia!

Sodalício, eu me comovo

Sentindo-te glória do povo 

Que em popular cantoria

Canta com muita alegria

Um canto feito ao teu feito

Cantado com amor e o jeito

Do jeito que o povo sente

O teu sentido de ser

Do povo e a parecer

Com ele, evidentemente! 

Autor: Laerte Tavares


 

Cântico à ACL

Música: Maestro José Ribeiro - Zezinho e Josué Costa
Banda Stagium 10 Letra: Laerte Tavares Editora: Mayara Brognoli.



terça-feira, 6 de outubro de 2020

CENTENÁRIO DA ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS

 



ACL - Cântico ao centenário 




Ah, outubro... Ah, outubro, o matiz rubro em nuança ao meio-tom verniz, na primavera, faz-me mais feliz com a cor da flor-de-lis pelo que a augusta flor me diz simbolizar as letras acadêmicas. E, em incandescente e rutilante brilho, as cores que há nos lírios, nas dálias e nos girassóis ladeiam um caminho ao dia trinta de outubro, data em que a Academia Catarinense de Letras completará cem anos de existência.

Aqui exaro minha exaltação à ACL e a confissão de que, sensibilizado, sinto orgulho pela glória de nossa Academia centenária. Alguns poderão julgar tempo irrisório, ante as idades de outras Arcádias do velho mundo, mas creiam: cem anos à tradição da literatura brasileira é bastante para me comover por tanto regozijo; e quero dividir essa alegria com todo(a)s o(a)s amigo(a)s leitores, sendo eu um dos membros, na Cadeira 16, desse Egrégio Sodalício que me faz honrado e tomado de responsabilidade na produção literária, pelo compromisso que me cabe em fazer jus ao galardão que me foi conferido, na tradição daqueles que nele nos antecederam e se empenharam para passar tão importante legado a que pudéssemos estar a comemorar tão auspiciosa data. Deus seja louvado! 

Casa José Boiteux – A soberba Casa José Boiteux, / É um templo erguido à vida acadêmica, / Cuja primeira matéria sistêmica / Foi o comércio. E ora, está à mercê / Das instituições que a lei prevê / Ser de interesse à história, à cultura / E ao mestre Boiteux, que aqui perdura / Como o patrono supremo do ensino / Em belo busto brônzeo de um divino / Feito à imagem da sua figura.


A Academia Catarinense de Letras é um marco histórico na vida cultural de Santa Catarina e brasileira, também, por ser uma das primeiras academias estaduais fundadas depois da Academia Brasileira de Letras constituída nos padrões da Academia Francesa. Porém, a ACL seguindo modelo da ABL, destacou-se por ter sido a primeira Academia de Letras no Brasil com ingresso de mulheres em seus quadros. Inicialmente, duas extraordinárias literatas catarinenses tomaram posse em cadeiras da confraria – sendo as primeiras confreiras brasileiras: Maura de Senna Pereira e Delminda Silveira de Sousa. 

Importante dizer que a Academia Catarinense hauriu da convivência cordial entre escritores que se congraçaram para, a partir de um instituto literário, formar a confraria. Instituto que contou com o tino político, jurídico e administrativo de José Boiteux, fundador da ACL que, junto ao professor Othon da Gama D’Éça e outras ilustres personalidades constituíram a centenária ACL no ano de 1920.


Para homenagear a ACL nessa data especial, compus um modesto poema em décimas do cancioneiro ibero-português:



ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS
Autor: Laerte Tavares


Viva a nossa academia 

Das letras catarinenses! 

Deusa e musa, tu pertences

Ao povo que a ti confia 

Às letras, por seres guia 

Na criação literária 

Esmerada, bela e vária 

No contexto universal

Da arte academial

Como Arcádia centenária!


REFRÃO:

Salve a nobre confraria! 

Salve a insigne Academia

De cultura centenária  

Viva a arte literária!

 

És do teu povo um farol 

Que verso e prosa ilumina!

És a estrela matutina

Antes do nascer do Sol.

O teu brilho é sempre em prol 

Da nossa literatura 

Secular e que perdura 

Como arte de nosso povo 

Partilhando o texto novo 

Com uma geração futura. 

 

Insigne Academia,

És a Santa Catarina

Leme, velame e bolina 

Da nau capitânia guia 

Que a luz de popa alumia

O mar da literatura

Em esteira e rota segura 

Dando brilho ao itinerário 

Do destino literário

A um cais que se transfigura.

 

Dentre as academias

Do Brasil, tu és a antiga!

Tua existência mitiga 

Sede do saber, por vias 

Dos teus feitos e porfias 

De tempos memoriais 

Das figuras imortais

Em nossa arte literária.

Icônica expressão lendária 

É Cruz e Sousa!... E outras mais!


Novo livro:



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

À PRIMAVERA



"IPÊ-AMARELO-OURO-PÁTRIO"- NATIVO DA MATA ATLÂNTICA
JABUTICABEIRA - NATIVA DA MATA ATLÂNTICA
 PITANGUEIRA - NATIVA DA MATA ATLÂNTICA
A PODA EXAGERADA AV. OTHON GAMA D'EÇA COM RUA BOCAIÚVA
 
À ESQUERDA, A AMENDOEIRA PODADA – EXÓTICA

Eis que chega a primavera 
Para o Hemisfério Sul 
Com o céu de um supremo azul.
Sem meandros, veio à vera
Como o tempo que se espera
De revitalização 
À luz e ao calor, que são
Contrários à pandemia!
A nova estação principia
Com esperança à Nação.
 
Floresce o ipê-amarelo
Que faz mais verde o vergel.
E misterioso pincel 
Pinta o morro em seu cutelo 
De cirro, num céu singelo
Azul da cor da bandeira
Desta Nação Brasileira.
E as cores da primavera 
Fazem-se às suas, por mera 
Natureza sobranceira.
 
Assim, estabelecido
O verde, azul, amarelo
E branco, sem paralelo,
Como a cambraia em tecido,
Parece ter mais sentido 
O patriotismo, de novo, 
Como se um broto em renovo,
Grelando sem pandemia. 
E a primavera anuncia
Ânimo altivo ao povo.
 
Viva a estação das flores 
Que vem trazer esperança 
Para o Brasil de bonança, 
Preservando os seus valores,
E ultrapassando os horrores 
Da pandemia pungente 
Que o país se ressente, 
Mas que se lança ao progresso 
Responsável e expresso
Como o valor de sua gente.

 

    Gráficos e expertos apresentam que a pandemia declina em todo o território nacional, bem como, em nossa Ilha. A flexibilização das normas à liberdade em ir e vir foi decretada, porém com as restrições necessárias. E eu me animei em ir à rua, ainda muito deserta, para ver a volta da primavera no vergel que ora explode. À frente da nossa rua vejo os jardins do barãozinho Udo Wangenheim, denso de arvoredo esbanjando cores novas de brotos tenros com folhas tímidas em “dar as caras”, anexo a um terreno do Exército Brasileiro onde as palmeiras imperiais, perfiladas, tomaram posição de sentido, eterna – áreas de flora exuberante à rua Bocaiúva. Adiante, na esquina dessa rua com a Avenida Othon Gama D’Eça, deparo-me com uma poda quase a decepar uma amendoeira secular, o que me fez pensar mal do homem: será que ela sobreviverá? Ou aproveitaram a pandemia para uma poda maligna? Diante da pandemia, tudo é capaz de morrer, até a crença nos homens que se dizem gente nossa. Espero que o arbusto sobreviva, mas eu me preocupei. O importante é que existem nas imediações, novos “ipês-amarelo-ouro-pátrio”, plantados recentemente, estão florindo para compensar a amendoeira que neste verão não nos dará sua esperada, antiga e magnífica sombra. Em compensação, as jabuticabeiras saem da dormência para dar saborosíssimos frutos, as pitangueiras florescem e a vida continua com a pandemia a boreste a qual tentamos ultrapassar... E que Deus seja louvado!

Em confraternização na ACL – Karla Tavares, Edilson da Costa, Maíra Pinto e Diogo Tavares


segunda-feira, 24 de agosto de 2020

NÃO SOU FELIZ ONDE NÃO ESTOU – SOU FELIZ ONDE EU ESTOU

 

Foto do autor - BARBEARIA VARGAS



    Chego ao limite do insuportável! Em minha alma não cabe tanta dor, tantas tormentas alheias que devido a pandemia contínua e lenta, vai ceifando cabeças aleatórias, enlouquecendo outras, a querer tocar meu ser que é meu; o que eu não permito. Não me atormento com a nefasta senhora intrusa no meu domínio, mas sinto angustia pelo seu entorno à minha circunvizinhança.
Não cederei! Hei de ter forças nas garras que herdei de meus ancestrais para não enlouquecer e sentir n’alma o prazer de não ser subjugado a uma autossugestão pela porção dos recados que me transmitem por tevê. Hei de em mim crer por estar em casa, ao meu lar – lugar onde mora ela, meu amor que se revela equilibrada, por certo, ante um louco e analfabeto que não se ilude aos dizeres dos sábios que nada sabem de amor ou de um lar como o nosso, no qual vivemos na paz que apraz pela pandemia, não nos mover da magia de em nada crer; como crentes do amor, o sonho da gente que é luz, é paz, é contentamento – prazer em cada momento que se vive como amantes. Deixemos passar entraves que não nos cerceiam em graves "engessamentos" sociais. Se todos são iguais ante a quarentena e o vírus, não poderemos dar vacilo, deixando a roda da engrenagem dessa insegurança vil, que ultrapassa o Brasil, passar por sobre o nosso gostoso clima de viver. De viver nosso momento dentro de casa, que o acalento é o amor e a vontade de viver, instante a instante como se fosse o bastante de uma eternidade a mais.
    Depois de dias trancado, resolvi sair à rua só para exercitar o corpo, quase de pé entrevado e cego de outras imagens. Com o corpo acostumando-se ao palmilhar ritmado e a mente exacerbada com as mensagens do olhar, revolvia a linda ilha florianopolitana, desde antigos Carnavais, da invasão espanhola aos dias anteriores de apenas há um mês. Tudo era estático e inerte ao meu revolver insano em busca de novidades. Quase ninguém nas ruas, lojas fechadas e trânsito inexistente. Porém, ao fim, encontrei a Barbearia Vargas aberta, com o Vargas à frente tomando banho de sol, enquanto eu a bater minha ferrugem, segundo falei a ele, que me encorajou a dar uma tosa no ralo grisalho, ao desleixo do isolamento.
    O Vargas nem tirou minha máscara, apenas a afastou do rosto, alternadamente, os elásticos da que contornavam as orelhas, quando do acabamento ao penteado.
Em casa tomei um banho e fiz um poema para enaltecer meu lar.


 



Procuro na rua o pranto
Não vertido em cova rasa,
Mas na rua se extravasa
Toda a alegria e acalanto.


Em nosso lar, por encanto,
Eu constatei não ter asa
Para voar. E à casa
Sou devoto feito a um santo.


Eu não fui feliz na rua,
Mas nesta casa que é tua,
Oh, amor, teu encanto


Dá-me a luz que se insinua
À verdade nua e crua
Para inibir o meu pranto.




domingo, 12 de julho de 2020

O COQUEIRO DA TRAVESSA CARREIRÃO


 PALMEIRA À TRAVESSA CARREIRÃO, TIRADA DA JANELA DE ONDE ASSISTI SUA LUTA COM UM INCLEMENTE "CICLONE BOMBA"

PALMEIRA DA MESMA ESPÉCIE A DA TRAV. CARREIRÃO


Na pandemia a quarentena é estressante. Além das janelas da casa e das janelas virtuais, restam-nos as dependências do lar. É um olhar ao infinito, além do monte ou do mar e o sentir-se junto ao lar como refúgio divino, porém, por tempo contínuo, torna-se maçante e tão vago feito minúsculo espaço. Dormir demais não compensa à aridez do cotidiano entre quarto, banheiro, sala e cozinha, onde o perigo tem seu reinado do vinho e de outras iguarias, desafiando o marasmo psíquico que nos quer compensar pelo estômago, já que o dolce far niente passa a ser cansativo e irritante. Assim, eu enxergava as coisas até a data de um “Ciclone Bomba” ao dar outro ângulo de visão. Ciclone esse, inclemente, que muitos estragos provocou em nossa cidade, derrubando inúmeras árvores que interromperam o fornecimento de energia elétrica. No entanto, certo coqueiro permaneceu em pé, embora parcialmente despalmado.

Na minha rua está esse coqueiro, palmeira típica tropical brasileira, enorme, quase centenária que, bravamente resistiu incólume, à ventania. Palmeira da mesma espécie das quais navegadores franceses, no século XVII, levaram sementes e plantaram-nas na costa do Mediterrâneo onde, até hoje, enfeitam a orla marítima, cuja palma representa a “Palma de Ouro” (Palme d'or), prêmio de maior prestígio no Festival do Cinema de Cannes.

Mas por aqui, a luta titânica que assisti, entre o coqueiro e o ciclone, fez-me refletir para trabalhar muito e produzir dois livros – um romance e um livreto de poemas. Assim, compus alguns versos ao meu ídolo – o coqueiro da Travessa Carreirão. Eu, empenhado na produção das obras,  estou há um tempo fora da blogosfera – mas aos poucos vou retomando!



O COQUEIRO DA TRAVESSA CARREIRÃO

Na travessa Carreirão
Há um coqueiro imponente
E, igual a mim, ele sente
Que fazer esforço vão
É inútil. Toda ação
À reação é sujeita:
O coqueiro quase deita
Perante forte ciclone.
E eu, na noite insone,
Tive dele uma receita.

 
Ventou até madrugada.
Da cama ouvi o zunido
Do vento ao coqueiro erguido.
Da janela envidraçada
Vi a refrega e, a cada
Palma perdida no vento,
Era um novo movimento
Que o coqueiro procedia
Numa atmosfera fria,
Descabelado ao relento.

Estrebuchava em gemidos
E a cada perda de palma, 
Me doía dentro d'alma 
E me feria os ouvidos, 
Mesmo tendo meus sentidos
No estremecer da vidraça.
Pensava: se ela estilhaça,
Meu corpo é jogado à rua
Como pena que flutua 
Por pouco peso da massa.

Ele, perante o perigo,
Vergava, mas quebrar não.
Arcando, quase ia ao chão
E voltava ao estado antigo.
Então, eu pensei comigo
Diante da pandemia,
Que a quarentena podia,
Feito ao coqueiro no vento,
Ser excelente momento
Para uma análise fria.
 
Senti que ao vento, inclemente,
O coqueiro se torcia
E eu, ante a pandemia,
Estava em estado latente,
Condenado e impotente,
Submisso à quarentena
Com força vã tão pequena
Que ela me tolhia em tudo
Feito cego, surdo e mudo
Sujeito à suprema pena.
 
O coqueiro reagia
Em luta de vida ou morte
Contra o ciclone tão forte.
E eu em minha letargia
Àquela briga assistia
Com vergonha do meu ser
Covarde, sem o poder
Do coqueiro lutador.
Pensei: do jeito for,
Algo vou ter que fazer.

 Eu produzi duas obras
Nesta útil quarentena.
Senti que valeu a pena!
Feito veneno de cobras
Que mediante manobras
É o antiofídico soro,
Eu, sem lamento nem choro,
Tomei lição com o coqueiro
Que permanece altaneiro,
Com muito garbo e decoro.