Na pandemia a
quarentena é estressante. Além das janelas da casa e das janelas virtuais,
restam-nos as dependências do lar. É um olhar ao infinito, além do monte ou do
mar e o sentir-se junto ao lar como refúgio divino, porém, por tempo contínuo,
torna-se maçante e tão vago feito minúsculo espaço. Dormir demais não compensa
à aridez do cotidiano entre quarto, banheiro, sala e cozinha, onde o perigo tem
seu reinado do vinho e de outras iguarias, desafiando o marasmo psíquico que nos
quer compensar pelo estômago, já que o dolce far niente passa
a ser cansativo e irritante. Assim, eu enxergava as coisas até a data de um
“Ciclone Bomba” ao dar outro ângulo de visão. Ciclone esse, inclemente, que
muitos estragos provocou em nossa cidade, derrubando inúmeras árvores que
interromperam o fornecimento de energia elétrica. No entanto, certo coqueiro
permaneceu em pé, embora parcialmente despalmado.
Na minha rua está
esse coqueiro, palmeira típica tropical brasileira, enorme, quase centenária
que, bravamente resistiu incólume, à ventania. Palmeira da mesma espécie das
quais navegadores franceses, no século XVII, levaram sementes e plantaram-nas
na costa do Mediterrâneo onde, até hoje, enfeitam a orla marítima, cuja palma
representa a “Palma de Ouro” (Palme d'or), prêmio de maior prestígio no
Festival do Cinema de Cannes.
Mas por aqui, a
luta titânica que assisti, entre o coqueiro e o ciclone, fez-me refletir para
trabalhar muito e produzir dois livros – um romance e um livreto de poemas.
Assim, compus alguns versos ao meu ídolo – o coqueiro da Travessa Carreirão.
Eu, empenhado na produção das obras, estou há um tempo fora da blogosfera
– mas aos poucos vou retomando!
Na travessa Carreirão
Há um coqueiro imponente
E, igual a mim, ele sente
Que fazer esforço vão
É inútil. Toda ação
À reação é sujeita:
O coqueiro quase deita
Perante forte ciclone.
E eu, na noite insone,
Tive dele uma receita.
Da cama ouvi o zunido
Da janela envidraçada
Vi a refrega e, a cada
Palma perdida no vento,
Era um novo movimento
Que o coqueiro procedia
Numa atmosfera fria,
Descabelado ao relento.
E me feria os ouvidos,
Mesmo tendo meus sentidos
No estremecer da vidraça.
Pensava: se ela estilhaça,
Meu corpo é jogado à rua
Como pena que flutua
Por pouco peso da massa.
Vergava, mas quebrar não.
Arcando, quase ia ao chão
E voltava ao estado antigo.
Então, eu pensei comigo
Diante da pandemia,
Que a quarentena podia,
Feito ao coqueiro no vento,
Ser excelente momento
Para uma análise fria.
O coqueiro se torcia
E eu, ante a pandemia,
Estava em estado latente,
Condenado e impotente,
Submisso à quarentena
Com força vã tão pequena
Que ela me tolhia em tudo
Feito cego, surdo e mudo
Sujeito à suprema pena.
Em luta de vida ou morte
Contra o ciclone tão forte.
E eu em minha letargia
Àquela briga assistia
Com vergonha do meu ser
Covarde, sem o poder
Do coqueiro lutador.
Pensei: do jeito for,
Algo vou ter que fazer.
Nesta útil quarentena.
Feito veneno de cobras
Que mediante manobras
É o antiofídico soro,
Eu, sem lamento nem choro,
Tomei lição com o coqueiro
Que permanece altaneiro,
Com muito garbo e decoro.