Homenagem ao primeiro simbolista brasileiro
O CISNE NEGRO
Imagem - internet
João da Cruz
e Sousa nasceu em 24 de novembro de 1861 no povoado Nossa Senhora do Desterro, atual
Florianópolis, Santa Catarina. Filho de escravos alforriados, quando menino, ficou sob tutela do marechal Guilherme Xavier de Sousa - adotando o nome Sousa. Junto à família, o infante João recebeu uma educação das mais refinadas, orientada pela esposa de
Guilherme. O casal não tendo filhos, Clarinda Fagundes Xavier de Sousa passou
a proteger e a cuidar da educação de João que estudou francês, latim e grego.
Em destaque, Cruz e Sousa
dirigiu o jornal Tribuna Popular, no qual combatia a escravidão e o preconceito
racial. Por outro lado, passou pelo desgosto ao ser recusado ao cargo de Promotor de Justiça à cidade de Laguna, Santa Catarina,
pelo fato de ser negro. Mais tarde, mudou-se para o Rio de Janeiro e lá trabalhou na função de arquivista à
Estrada de Ferro Central do Brasil. Além disso, colaborou com diversos jornais.
Na
literatura, sob alcunha Dante Negro ou Cisne Negro, Cruz e Sousa tornou-se um dos
precursores do Simbolismo no Brasil – suas obras "Missal" e "Broquéis" inauguram o Simbolismo Brasileiro. Em "Missal", seus poemas em prosa têm estilo de caráter inspirado no
francês Charles Baudelaire, considerado o "pai do Simbolismo".
Cruz Sousa acometido por tuberculose, tal como seus quatro filhos, faleceu jovem, aos trinta e seis anos. Atualmente,
seus restos mortais encontram-se nas dependências do Palácio Cruz e Sousa, em
Florianópolis, Santa Catarina.
CRUZ E SOUSA
IN MEMORIAM
Laerte Tavares
Amigo, eu
te prezo tanto
Que sinto chegar ao pranto
Por tanto
que te admiro.
Portanto,
és-me um retiro
Sublime,
espiritual,
Por tua
obra magistral
De elevado
requinte.
Não há
artista que pinte
Algo como
tu pintaste
Com cores e
de contraste
Que só as
palavras dão
Essa enorme
dimensão
Ao verbo. Tu és um deus
Feito Deus
e verbos Seus.
Tuas
criações divinas
São as supostas doutrinas
De um deus
menor – não pequeno.
Cisne de um
lago sereno,
Vagaste noites e dias
A produzir
poesias
Com bastante engenho e arte,
Deixando
parte de parte
De ti nessa
arte suprema,
Quer em
soneto ou poema
Onde
estampas tua marca
De
excelência, qual monarca,
Em tudo a pôr seu brasão.
Tua marca é
a expressão
Real de um simbolista.
Entre
artistas és o artista
Maior de
todos, eu creio,
E existência nesse meio.
Tu foste a
grande figura
Que fez a
literatura
Desterrense
ser eterna
Por tua
face fraterna
Irmã de
Várzea, Virgílio,
Como
agentes do delírio,
De todo tempo, ao leitor.
Hoje, tu és
morador
Único, do grande palácio,
Por fazer a
flor do Lácio,
Nossa
língua portuguesa,
Ter bem
mais vida e beleza
Com som
melhor afinado
Por teu plangente legado.
O violão
toca assim
E ponteia o
bandolim:
************
“Violões que Choram
Cruz e Sousa
Ah!
plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao
luar, choros ao vento...
Tristes
perfis, os mais vagos contornos,
Bocas
murmurejantes de lamento.
Noites de
além, remotas, que eu recordo,
Noites da
solidão, noites remotas
Que nos
azuis da fantasia bordo,
Vou
constelando de visões ignotas.
Sutis
palpitações à luz da lua.
Anseio dos
momentos mais saudosos,
Quando lá
choram na deserta rua
As cordas
vivas dos violões chorosos.
Quando os
sons dos violões vão soluçando,
Quando os
sons dos violões nas cordas gemem,
E vão
dilacerando e deliciando,
Rasgando as
almas que nas sombras tremem.
Harmonias
que pungem, que laceram,
Dedos
nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um
mundo de dolências geram,
Gemidos,
prantos, que no espaço morrem...
E sons
soturnos, suspiradas mágoas,
Mágoas
amargas e melancolias,
No sussurro
monótono das águas,
Noturnamente,
entre ramagens frias.
Vozes
veladas, veludosas vozes,
Volúpias
dos violões, vozes veladas,
Vagam nos
velhos vórtices velozes
Dos ventos,
vivas, vãs, vulcanizadas.
Tudo nas
cordas dos violões ecoa
E vibra e
se contorce no ar, convulso...
Tudo na
noite, tudo clama e voa
Sob a
febril agitação de um pulso.
Que esses
violões nevoentos e tristonhos
São ilhas
de degredo atroz, funéreo,
Para onde
vão, fatigadas no sonho,
Almas que
se abismaram no mistério.
(... contém mais duas páginas)
Cruz e Sousa (janeiro, 1897)