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segunda-feira, 24 de agosto de 2020

NÃO SOU FELIZ ONDE NÃO ESTOU – SOU FELIZ ONDE EU ESTOU

 

Foto do autor - BARBEARIA VARGAS



    Chego ao limite do insuportável! Em minha alma não cabe tanta dor, tantas tormentas alheias que devido a pandemia contínua e lenta, vai ceifando cabeças aleatórias, enlouquecendo outras, a querer tocar meu ser que é meu; o que eu não permito. Não me atormento com a nefasta senhora intrusa no meu domínio, mas sinto angustia pelo seu entorno à minha circunvizinhança.
Não cederei! Hei de ter forças nas garras que herdei de meus ancestrais para não enlouquecer e sentir n’alma o prazer de não ser subjugado a uma autossugestão pela porção dos recados que me transmitem por tevê. Hei de em mim crer por estar em casa, ao meu lar – lugar onde mora ela, meu amor que se revela equilibrada, por certo, ante um louco e analfabeto que não se ilude aos dizeres dos sábios que nada sabem de amor ou de um lar como o nosso, no qual vivemos na paz que apraz pela pandemia, não nos mover da magia de em nada crer; como crentes do amor, o sonho da gente que é luz, é paz, é contentamento – prazer em cada momento que se vive como amantes. Deixemos passar entraves que não nos cerceiam em graves "engessamentos" sociais. Se todos são iguais ante a quarentena e o vírus, não poderemos dar vacilo, deixando a roda da engrenagem dessa insegurança vil, que ultrapassa o Brasil, passar por sobre o nosso gostoso clima de viver. De viver nosso momento dentro de casa, que o acalento é o amor e a vontade de viver, instante a instante como se fosse o bastante de uma eternidade a mais.
    Depois de dias trancado, resolvi sair à rua só para exercitar o corpo, quase de pé entrevado e cego de outras imagens. Com o corpo acostumando-se ao palmilhar ritmado e a mente exacerbada com as mensagens do olhar, revolvia a linda ilha florianopolitana, desde antigos Carnavais, da invasão espanhola aos dias anteriores de apenas há um mês. Tudo era estático e inerte ao meu revolver insano em busca de novidades. Quase ninguém nas ruas, lojas fechadas e trânsito inexistente. Porém, ao fim, encontrei a Barbearia Vargas aberta, com o Vargas à frente tomando banho de sol, enquanto eu a bater minha ferrugem, segundo falei a ele, que me encorajou a dar uma tosa no ralo grisalho, ao desleixo do isolamento.
    O Vargas nem tirou minha máscara, apenas a afastou do rosto, alternadamente, os elásticos da que contornavam as orelhas, quando do acabamento ao penteado.
Em casa tomei um banho e fiz um poema para enaltecer meu lar.


 



Procuro na rua o pranto
Não vertido em cova rasa,
Mas na rua se extravasa
Toda a alegria e acalanto.


Em nosso lar, por encanto,
Eu constatei não ter asa
Para voar. E à casa
Sou devoto feito a um santo.


Eu não fui feliz na rua,
Mas nesta casa que é tua,
Oh, amor, teu encanto


Dá-me a luz que se insinua
À verdade nua e crua
Para inibir o meu pranto.