Semana passada, perdi um dos últimos amigos de fraterno convívio na pujante e bela juventude, Rodrigo de Haro, um dos maiores artistas brasileiros da arte pictórica e literária, filho do grande pintor Martinho de Haro. Conheci Rodrigo apresentado por Marcos Konder Reis, na década de 1960, num excelente boteco instalado num humilde rancho de canoa à beira da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, quando à mesa rústica, ele compartilhava com Benito Batistotti, um rico madeireiro catarinense, mecenas do Cinema Novo, que veio a ser, mais tarde, concunhado do irmão de Rodrigo, cujas festas de núpcias, Marcos e eu viemos de Armação do Itapocoróy a Florianópolis, na sede do Veleiros da Ilha, para participar do evento com Rodrigo; e não demorando, chegaram outros ilustres amigos... À mesa do boteco no Rio, entre prosas descontraídas, degustamos alguns camarões ao bafo, pescados na hora e preparados em seguida, regados à cerveja gelada, após doses de caipirinha.
Rodrigo e Marcos conviviam cultural e socialmente, na cidade maravilhosa, com as mais ilustres figuras icônicas da arte, àquela época; a exemplo de Vinícius de Moraes, colega de Itamarati do Marcos; Paulo Mendes Campos, escritor que viajara com Marcos em turnê pela Europa; Maria Alice Barroso; Lúcio Cardoso; Murilo Mendes; Otto Lara Resende; Paulo Saraceni, cineasta amante do Cinema Novo; e tantos outros. Frequentavam também, essas figuras, um barzinho de Ipanema, juntos a outras figuras icônicas como, ainda, Vinícius, Leila Dinis, Helô Pinheiro (a garota de Ipanema) e gente ligada à música.
Voltei a encontrar Rodrigo nos fins dos anos sessenta em Florianópolis, onde a família havia fixado residência. No Rio de Janeiro, moravam em casa própria muito aconchegante, no bairro de Laranjeiras e, em Florianópolis, numa residência à Rua Altamiro Guimarães. Já formado, de Porto Alegre, passei a residir à Rua Alves de Brito, vizinha à Família De Haro. Foi quando reencontrei Rodrigo, mantendo nossa amizade até seus últimos dias.
Faço homenagem à memória do amigo Rodrigo, no meu estilo literário, porque ele era apaixonado pelas décimas do cancioneiro; e em arremedo ao seu estilo em prosa poética na qual ele era exímio.
Despede-se, enlutada, a ilha,
Do seu magistral pincel
Mais ilustre e o mais fiel
Intérprete da maravilha
Do belo insular que brilha
Nas eternizadas telas
Pictóricas nas belas
Paisagens, com brilhos, cores,
Ou máscaras, arcanos, flores
E anímicas formas singelas.
Laerte Tavares
Desenho de Rodrigo, sua santa de devoção e nome do nosso Estado. Imagem que tanto ele pintou, cantou, escreveu e produziu um extraordinário livro que levou de presente, junto a uma comitiva do Governo do Estado catarinense, ao Mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai, Egito. Para Rodrigo um milagre contínuo e perpetuado, presente em nosso tempo, é ter três religiões (Islamismo, Cristianismo e Judaísmo) proprietárias do bem, convivendo simultânea e harmonicamente, com seus ritos e liturgias diversas, no mesmo local em horários diferentes, frequentados por multidões de seguidores, em que nos arredores todos se aglomeram e convivem fraternalmente. É um milagre! – dizia Rodrigo, que interagiu com esse povo eclético.
O nosso pintor partiu no dia de São Galo (Saint Gall), o santo artista da música, falecido em 01 de julho de 554, descendente de família tradicional da corte da França, país onde Rodrigo nasceu. S. Galo era um servo dedicado às cerimônias da Santa Missa, causa que o levou a se especializar nos cânticos sacros. Relatos afirmam que além do talento à música, era dotado de uma excelente voz, capaz de encantar e atrair fiéis para ouvi-lo cantar no coro do convento. Em seus feitos, o mais citado, foi ter salvado a cidade de um incêndio que ameaçava transformar em cinzas as construções locais. Galo teria aplacado as chamas que se apagavam, conforme as suas orações eram entonadas.
UM HINO A RODRIGO DE HARO
Autor: Laerte Tavares
Poema a Rodrigo, aos seus oitenta anos.