Poemas, Contos, Crônicas...
Este “silo de armazenamento” não estoca o lirismo, mas o distribui, em forma de poemas, ao consumo de ávidos(as) pela doçura da vida!
Sempre que chega a primavera o meu coração se alegra sem que eu saiba por quê. Hoje o sol nasceu em uma atmosfera límpida abrasando um vergel ainda acinzentado. O sabiá de peito amarelo e garboso cantou seu hino à flora, degustando as primeiras ervas, insetos e frutos primaveris. O mar com mais brilho aparentava indiferente, porém o céu refletido nele parecia mais próximo em que as trombetas angelicais ecoavam no marulhar dele que mansamente emitia, meio rouco, sons maviosos para acalmar a minha mente e deixar que eu fosse só anímico com o raciocínio frouxo e de alma atenta. A minha sensação andava entre serafins ou faunos que me acenavam do vergel, ora, mais verde com a luz solar que dissipara o cinzento. Não sei se nessa hora a minha sensação tocou em Deus, mas eu senti a santidade refletida ao mar, então, dourado. E foi nesse momento de um feixe de luz iluminar-me a mente que desperta por segundos, fez-me entender que hoje começou a primavera no hemisfério Sul.
Tom Jobim tem uma música de refrão que diz assim: “São as águas de março fechando o verão / É a promessa de vida no teu coração”... Realmente, após o verão vem um copiosa chuva no Sul do Brasil, porém este ano a chuva checou em maio com grande intensidade inundando o Sul da região brasileira e particularmente, todo o Estado do Rio Grande do Sul, deixando grande parte do Estado gaúcho em baixo d’água.
Em solidariedade ao povo gaúcho fiz dois poemas sobre a tragédia de grande repercussão. E, os posto neste espaço.
RIO GRANDE DO SUL Autor: Laerte TavaresTitular da cadeira 16a
Academia Catarinense de Letras
Ah, meu rincão e meu pago pelas chuvas inundado.
Que triste ver meu Estado como a imensidão de um lago
Para onde olho e divago vendo um corpo flutuar.
Viria de que lugar?... Deixou lá seu amor e sonho?...
Um pesadelo medonho se passava de vagar.
Vendo um corpo que flutua e sentir ser corpo humano,
Rugiu no meu peito, insano, o antigo tigre charrua
Quando do meio da rua, corri bramindo também
Qual tigre macho que tem amor pela sua raça.
Senti Deus dar-me a graça e a força vinda do além.
Pulei n’água e já ao lado daquilo vi um menino.
Meu Deus, que triste destino... Voltei arrastando, a nado,
O seu corpo enlameado. Ele exalava mau cheiro.
Nisso, um soldado bombeiro o rolou para uma maca
E erguendo uma ponta, o ensaca para o pelotão coveiro.
No meu peito, mais bramia o velho tigre acuado...
Voltei para a água e a nado, parecendo estar mais fria,
Subi num bote que ia apenas com seu patrão.
Completando a guarnição com um cachorro que nadava
Desesperado e rosnava de fome e frio. Pobre cão!...
Já o chamamos raposo, pela inteligência rara,
Porque o animal ficara de pé, em perfeito gozo
Das facultardes. Teimoso, punha na borda, à beira,
Uma pata dianteira, ia observando tudo
E completamente mudo, latindo àquilo que cheira.
Depois vimos batalhões de gentes salvando vidas.
Atrelamo-nos às lidas no meio de embarcações
Levando seres, em ações de resgate e suprimento
De água, nesse momento do fim de uma privação
Dela e da alimentação, sentido o corpo sedento.
Gente do Brasil inteiro ajudava a região,
Povo solidário, irmão do gaúcho. O brasileiro
Foi sempre um povo guerreiro, solidário e o é ainda.
Formava uma cena linda ver o enorme contingente
Voluntário ali presente dando uma ajuda bem-vinda.
E o gaúcho humildemente agradece a esse povo
E agradecerá de novo por devedor, pois se sente
Honrado pelo vigente socorro de improviso
Ante o sinistro incisivo arrasando o meu rincão
E empenha a gratidão pelo socorro preciso.
São mil falanges de gentes, seres de todas as plagas
Que estão aplacando as chagas de seus irmãos, descendentes
Charruas e de contingentes de outros povos estranhos
Que criaram aqui rebanhos de gado e com a agricultura
Fizeram a vida futura com seus trabalhos e ganhos.
Nas veias de um riograndense pulsa o sangue farroupilha,
Povo que brilhou e brilha pois sempre que luta vence
Por tradição que pertence aos nossos ancestrais,
Bem antes de nossos pais que eram povos destemidos,
Guerreiros dos tempos idos, cavaleiros magistrais ..
Por isso a alma gaúcha é forjada para a luta
Quer na guerra ou na labuta em que o corpo se estraboucha
Fazendo de uma garrucha, um canhão ou um morteiro,
Tendo a alma de guerreiro e o coração de menino
Que por atavismo ou tino é sempre um bom companheiro.
E, assim, o Rio Grande é forte, pois esmorece jamais
Luta pelos ideais de sus filhos e de sorte
Que eles enfrentam a morte na luta com destemor
Por intrépidos e amor à pequenina nação
Com herança na tradição da peleia de valor.
Meu povo, erga a cabeça! O bom combate enobrece.
Reza a Deus a tua prece, olhe a vida e não esqueça
Que endireitar vida avessa é difícil, dá trabalho,
É um ferro frio no malho que resiste, mas entorta
E Deus não fecha uma porta sem que abra um novo atalho.
Vamos a reconstrução do que a enchente deu fim
Com alma de um serafim e coragem de um leão
Juntando forças que são necessárias ao sucesso
Baseadas no progresso de nosso Estado pujante
Ora, vendo=se diante de um cenário adverso.
Se lutar é da cultura de nosso povo farrapo
Que se vestia com um trapo enfrentando guerra dura,
Nós, nessa paz segura como iremos fraquejar
Ante a luta singular de reconstruir a vida?...
Vamos, meu povo, à lida e reconstruir cada lar.
O orgulho virá mais tarde como a rosa da manhã
Que medra perfeita e sã no silêncio, sem alarde,
Se o povo não é covarde, há de bater em seu peito
E gritará satisfeito na paz da vida refeita
Vendo que a antiga receita foi eficaz no efeito.
Gaúcho é um galo de rinha, muito valente em combate
Pois não desiste ou se abate nem verga a sua espinha
A tirano ou a rainha de paus, no jogo de cartas
Por ter as entranhas fartas das tradições dos charruas
Montados em bestas nuas tendo as pernas por lagartas.
Viva a alma farroupilha!! Viva o Rio Grande do Sul!
Viva o céu límpido e azul! Viva essa maravilha
De Estado que palmilha na luz da ordem e progresso
Viva o orgulho pregresso de um povo forjado à luta
Viva a fé absoluta do gaúcho, em seu processo!
O GAÚCHO AGRADECE A QUEM OS SALVOU
NAS ENCHENTES DO RIO GRANDE DO SUL
Autor: Laerte Tavares
Titular da cadeira 16 da ACL
O gaúcho é um galdério ou folgazão contumaz
Que adora um trago e a paz. Não a paz do cemitério,
Mas a do amor sem mistério. Com a chinoca na garupa
Do pingo, e no upa, upa, a cortar campo e coxilhas,
Em trote, léguas ou milhas, chega ao galpão que ocupa.
Ali, com o poncho estendido, ateia o fogo de chão,
Seva e serve um chimarrão, como a flecha do cupido,
Que é muito bem recebido pela prenda, ao tear
Urdindo, em lã vulgar, um bacheiro à serventia
Do peão em montaria para o arreio de laçar.
E se despede, o peão, entre fusos e novelos
De lã, pega o peúelos, o revolveer, cinturão,
Um sovl, faca, facão, e aacostumado no trampo,
Segue à lida de campo, com o pingo já encilhado,
E corre em busca de um gado na invernado do grampo.
No feroz fogo da guerra, o gaúcho foi forjado
Feito o aço temperado nas lavas fundas da terra
De certo vulcão que encerra, se inativo, o seu moral
Em pressão descomunal, pronto em irromper à luta
Com a fé mais absoluta que vencerá no final.
Se o riograndense é galdério, também é amigo nato
Muito festeiro, de fato. Se tem a cara de sério
É um sinal do cautério ou cicatriz que encerra
Seu histórico de guerra. Sempre de pingo encilhado
Pronto, por fiel soldado em defender sua terra.
Cara de mau em rompante, dizem que o gaúcho tem.
Não é verdade, porém, se estampa ar arrogante,
É a altivez do infante destemido, por forjado
Na têmpera do fiel soldado com ar de certa altivez
Inevitável, talvez já estigmatizado.
Porém eu gaúcho nato aprendi que sou ninguém
Pois tudo que a gente tem, não é nosso e fico grato
A quem nos salvou, de fato, com riscos das próprias vidas
Nas atribulações tidas em resgates arriscados
Às vezes sobre telhados com telhas apodrecidas.
Primeiro a equipe civil foi que acudiu prontamente
Com barcos, meios e gente de todo o imenso brasil.
Povo heroico com perfil benévolo e aguerrido,
Cujo esforço desmedido e concentrado, deu fim
À angústia e assim fico muito agradecido.
Vivas às forças civis em tempo mobilizadas
E muito bem equipadas! Sendo uma força motriz
Providencial que quiz, então, voluntariamente
Socorrer a nossa gente por humanismo, em ações
De helicópteros e aviões em toda urgência premente.
Eram botes e bateiras, jet skis, depois canoas
Que acudiram pessoas ilhadas, foram as primeiras
Embarcações. Baleeiras só mais tarde e nos rios,
Fazendo amplos desvios pelo calado profundo
A não encalhar o fundo, mesmo de porões vazios.
Estamos muito contentes com o socorro imediato
Do povo civil, de fato, graças a esses contingentes
Que salvaram nossas gentes ilhadas sem água ou pão
E esse enorme batalhão deu o comer ao faminto,
Água ao sedento e eu sinto ser essa a amiga mão.
Me agacho, apoio um joelho e de mãos postas, com apreço,
Ao povo heroico agradeço, sobre o meu lenço vermelho
Ajoelhado, ergo o relho, pela heroica vitória
Que ficará na memória do povo que agradecido
Lembrará do fato tido como um momento de glória.
Agradeço ajoelhado, para mostrar que ninguém
É maior do que alguém com virtude ou pecado.
Reitero o muito obrigado com toda a minha humildade
Pela solidariedade perante a tragédia humana
Que a tempestade tirana fez, sem pena ou piedade.
Sim, amados irmãos, vocês nos deram demais
Amparos nas principais causas, com alimentações,
Água, remédios e ações de buscas e de traslados.
Foi muito, mas derrotados, precisamos mais ainda
E qualquer coisa é bem-vinda para os mais necessitados.
Ora na reconstrução, precisamos de ajudas,
Desde coisinhas miúdas a equipamentos que são
Necessários nas ação difíceis ao bom termo
Em lugar que ficou ermo sem um único habitante.
Sei que nos deram bastante, por verem o Estado enfermo.
Com um governo sem dinheiro pelo excesso já gasto,
Ao entendimento vasto de qualquer um brasileiro,
O gaúcho fez-se herdeiro da falência do Estado
Brasileiro já prostrado pelo seu erário escasso
E nós nesse descompasso, não fiaremos a coitado.
Mas fiaremos, então, a quem de boa vontade
À solidariedade para a reconstrução
Da pequenina nação gaúcha, ora precisando
De um empurrão, desde quando se fez a enchente insana
E feroz, tão desumana quais vis abutres em bando.
Meu Deus, nós perdemos tudo. Perdemos até o lar
Que para recuperar é difícil, não me iludo,
Mas fé em Deus, sobretudo, mesmo com força abalada,
É o fino fio da espada cortando o nórdico nó,
Na hora, tornado em pó e fazendo a tragédia em nada.
Então, nós humildemente, imploramos seu apoio!
Separando trigo e joio, sem o Estado que se sente
Estar um tanto impotente, cremos na força civil
Do nosso amado Brasil, para vencer tal batalha.
O gaúcho nunca falha por não ser do seu perfil.
Se a vida é uma hospedaria, segundo Mário Quintana,
Em que a loucura humana nunca deixa a conta em dia