Linguagem[+]

terça-feira, 8 de março de 2016

RIO QUE REMETE AO REINO DO RENO

ALAMEDA RIO BRANCO 

Servi o Exército em 1960 em Blumenau e com outros companheiros participamos da guarda ao local e atendimento aos vitimados pela enchente, no referido ano, que eram moradores da Alameda Rio Branco ( foto ) inundada. Mais tarde, na mesma avenida, aluguei um quarto de uma casa residencial, como estudante do científico no Colégio Pedro II. Apaixonado ainda por esta maravilhosa cidade e pelo seu rio que encanta e oprime, as saudades fizeram-me escrever um poema narrativo em décimas do cancioneiro português para homenageá-la, bem como os amigos de então e, a mim, por que não?

BLUMENAU
Autor: Laerte Tavares 

Um rio reina igual o Reno
E serpeando as cidades,
Leva nas águas saudades
Produzidas como aceno
De algum europeu terreno
Deixado nos fins dos mares
Por busca de outros lugares
Para a colonização
Deste povo - o alemão
Que deu ao rio novos ares.

Blumenau dos meus amores
Do tempo de juventude
Onde vivi como pude,
Conhecendo novas flores,
Novos perfumes e cores,
Outros amigos e gente
Parecida ou diferente,
Mas em comunhão ao povo
Que deu a este lugar novo,
Ares do seu continente.

Lindo Bairro do Garcia:
Spitzkopf altaneiro...
No Exército Brasileiro
Foi o lugar que eu servia
E contemplava a magia
Desse bairro industrial
Que tinha o belo caudal
De um riacho ou ribeirão,
Onde eu pescava, com a mão,
Peixe cascudo pro caldo.
Ah, Rio Garcia! teu saldo
É a grande recordação. 

Num quarto, na Alameda
Fui morar; arborizada
Como se fosse uma estrada
Em formato de vereda.
Eu peço que Deus conceda
Sua permanência assim,
Feita a rua de um jardim. 
Casas, flores à janelas,
Mais flores no entorno delas,
No arvoredo... sem fim.  

Rua Quinze dos meus dias...
Da Alameda em diante:
Casa Meyer do elegante
Bordado feito por vias
Manuais, pelas porfias
Das ditas prendas do lar
De cultura milenar.
Era a vitrine primeira
Disposta de uma maneira
Para se visualizar.

Do outro lado se via
O Bar Socher, singular
Por ser mesclado, o lugar:
Bar junto à confeitaria,
Com a grande primazia
Da stammtisch, famosa
Mesa de encontro e da prosa
Dos alemães mais antigos,
Fregueses velhos e amigos
À conversa prazerosa. 

A juventude presente
No bar ou confeitaria
Alternava a freguesia,
Quer de produto ou de gente,
Desde o strudel à aguardente,
Chope, chá às senhorinhas,
Às moças belas sozinhas...
Rapazes buscando alguém
À conversa ou ir além
Nas coisas das entrelinhas...

Casa Peiter, em seguida
Vinha e a Probst, à frente
Com ferragens. De presente
Havia a Casa Husadel, tida
Típica alemã a dar vida
E mais beleza à cidade,
Pela notoriedade
Dos detalhes em madeira
Em uma varanda altaneira
De certa sobriedade.

Era limpíssima a rua
Com vitrines elegantes
Em que os seus habitantes,
Onde o prédio em si recua,
Limpavam cada um a sua
Frente, e o leito da via
A Prefeitura varria
O pouco resto de lixo,
Com o esmerado capricho
Que na cidade existia. 

O quanto ali passeei
Com o meu amor pela mão...
Por nossa religião
A ter no ápice a lei
De Deus do céu, Pai e Rei,
Nós dois íamos à missa
Das oito; e pela preguiça,
Caminhávamos devagar
Nesta rua de se amar
Por mérito e por justiça.

A apoteose seria,
Da missa dominical,
Ao final, o ritual
De ir à Confeitaria
Tönjes que tinha a magia
Da beleza e requintada,
Servia desde empada
À apfelstrudel. Assim,
Viena, Berna ou Berlim
Era ali representada.

Ela estava situada,
Feita linda flor-de-lis,
Em frete à Igreja Matriz,
Do lado oposto à entrada,
Acessível e hasteada
Qual bandeira da finesse.
Depois de humilde prece
Íamos ao extravagante:
A mim, humilde estudante,
A mais suprema benesse. 

Linda a casa! E diferente
Como ambiente exemplar
Desde o seu ponto, um lugar
Às margens do rio corrente,
Esse Reno com nascente
No Vale do Itajaí,
Talvegue que diz por si
O nome do belo rio,
Onde defronte, um desvio
Deixava a sua marca ali.

A ponte da Ponta Aguda,
Vista da Tönjes, também
Via o rio seguir além
Nessa curva em que ele muda
De percurso e faz sisuda
Sua margem esquerda à frente,
Por banco de areia rente
À verde vegetação
E a água em estagnação
Feita um lago transparente.

A edificação tinha
Dois níveis – um ao da rua
E outro abaixo, com sua
Adega e uma varandinha
Ao nível do rio, na linha
De um externo patamar
Com um jardim a reinar
Repleto de lírios e rosas
E era das mais suntuosas
A vista, deste lugar. 

Nós sentávamos à mesa
E vinha o proprietário,
Sendo o dono e um operário
Da magnífica empresa.
De uma extrema gentileza,
Ele anotava o pedido,
Por fim, seria servido,
Com guloseimas, o chá.
Depois de fartados já,
Púnhamos ao rio, o sentido.

Lembro um dia de estio
E visual não precário,
Chegou o proprietário
A fazer-me um desafio:
Compor uns versos ao rio,
Por saber que eu escrevia.
Eu aceitei com alegria
E à proposta fiel,
Escrevi em um papel 
Como quem narra, não cria...

RIO ITAJAÍ-AÇU

Oh rio, vais em desalinho
Como serpente sem fim.
Tu desaguas para mim
Lembranças do teu caminho

Como este aqui pertinho
A esta varanda, e assim,
Do mar tu não és afim,
A fim de seres sozinho.

Tua solidão, respeito,
A ser eterno em teu leito,
Beijando uma e a outra banda

E foges delas, sem jeito,
Mas na verdade, a efeito
És o rio desta varanda. 

O Tönjes pegou os versos,
Anexou a um jornal
Preso às réguas de metal
Na lombada, bem dispersos 
Folhetos muito diversos
Com notícias diferentes
Nos idiomas vigentes:
Português e alemão
E dispôs sobre o balcão
À leitura dos clientes.

Mil, novecentos, sessenta.
Faz muito tempo, mas lembro
Ser de Blumenau um membro
Qual vetor que representa,
Em trajetória mais lenta,
Número que é irreal
E sempre muda ao final.
A minha suposta nau
Navega por Blumenau
Com a saudade ancestral.


2 comentários:

  1. Esse é o mesmo LAERTE SILVIO TAVARES que há tantos anos conheço, desde Blumenau, cidade catarinense. Ele – o Laerte – sempre foi assim: fácil de versejar, e de muitos conhecidos, por tal mérito; mas não só por fazer versos deve-se a sua fama, já que declamador também foi, e dos melhores, a todos encantando, nas mesas de chope, entre amigos, nos bares de Blumenau, fazendo-os íntimos, todos eles, sabem de quem? do Augusto, sim, ele mesmo, o dos Anjos, e, para que não se confundam, do Augusto dos Anjos falei.

    Agora vocês sabem que o talento de Laerte Tavares vem daquelas lonjuras, quando ainda era estudante em Blumenau (ou bem ante disso), e a prova inconteste do que digo está aí à sua frente: “RIO QUE REMETE AO REINO DO RENO”, poesia de sua lavra, da melhor qualidade. Em que melhor quiser conhecê-lo basta abrir os seus livros de poemas, que até agora são três: “Canoas, Ventos e Mares”, poemas de décimas; “Ilha dos Idílios”, de décimas e sonetos; “Alfabeto Angelical”, com poesia de Laerte e ilustração de Arthur M. S. Tavares, seu filho adolescente, e com apresentação e capa de Rodrigo de Haro.

    Laerte, meu amigo, esse poema me transportou para Blumenau, cidade onde morei e estudei, e onde nos tornamos amigos. Que cidade maravilhosa era aquela Blumenau, e o tanto que aprendemos com ela.

    Parabéns, Laerte.
    Um fortíssimo abraço.
    Pedro.

    ResponderExcluir