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sábado, 10 de julho de 2021

A ARTE PERDE UM ARTISTA

 

Obra de Rodrigo de Haro pertencente a Sandra, minha esposa. Eis o Pierrô a chorar por Colombina. E eis a ilha emocionada e abraçada à serra frígida junto aos elegantes aparados pétreos, demonstrando que seus corações não são empedernidos, a prantear aos quatro ventos em uníssono com a Ilha de Santa Catarina, humilde e reservada chorando pela perda de Rodrigo.


Cartaz / Rodrigo H - Fundação Badesc

    

    Semana passada, perdi um dos últimos amigos de fraterno convívio na pujante e bela juventude, Rodrigo de Haro, um dos maiores artistas brasileiros da arte pictórica e literária, filho do grande pintor Martinho de Haro. Conheci Rodrigo apresentado por Marcos Konder Reis, na década de 1960,  num excelente boteco instalado num humilde rancho de canoa à beira da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, quando à mesa rústica, ele compartilhava com Benito Batistotti, um rico madeireiro catarinense, mecenas do Cinema Novo, que veio a ser, mais tarde, concunhado do irmão de Rodrigo, cujas festas de núpcias, Marcos e eu viemos de Armação do Itapocoróy a Florianópolis, na sede do Veleiros da Ilha, para participar do evento com Rodrigo; e não demorando, chegaram outros ilustres amigos... À mesa do boteco no Rio, entre prosas descontraídas, degustamos alguns camarões ao bafo, pescados na hora e preparados em seguida, regados à cerveja gelada, após doses de caipirinha. 

    Rodrigo e Marcos conviviam cultural e socialmente, na cidade maravilhosa, com as mais ilustres figuras icônicas da arte, àquela época; a exemplo de Vinícius de Moraes, colega de Itamarati do Marcos; Paulo Mendes Campos, escritor que viajara com Marcos em turnê pela Europa; Maria Alice Barroso; Lúcio Cardoso; Murilo Mendes; Otto Lara Resende; Paulo Saraceni, cineasta amante do Cinema Novo; e tantos outros. Frequentavam também, essas figuras, um barzinho de Ipanema, juntos a outras figuras icônicas como, ainda, Vinícius, Leila Dinis, Helô Pinheiro (a garota de Ipanema) e gente ligada à música. 

    Voltei a encontrar Rodrigo nos fins dos anos sessenta em Florianópolis, onde a família havia fixado residência. No Rio de Janeiro, moravam em casa própria muito aconchegante, no bairro de Laranjeiras e, em Florianópolis, numa residência à Rua Altamiro Guimarães. Já formado, de Porto Alegre, passei a residir à Rua Alves de Brito, vizinha à Família De Haro. Foi quando reencontrei Rodrigo, mantendo nossa amizade até seus últimos dias. 

    Faço homenagem à memória do amigo Rodrigo, no meu estilo literário, porque ele era apaixonado pelas décimas do cancioneiro; e em arremedo ao seu estilo em prosa poética na qual ele era exímio.



Rodrigo (Imagem / internet)

 


Despede-se, enlutada, a ilha,
Do seu magistral pincel
Mais ilustre e o mais fiel
Intérprete da maravilha
Do belo insular que brilha
Nas eternizadas telas
Pictóricas nas belas
Paisagens, com brilhos, cores,
Ou máscaras, arcanos, flores
E anímicas formas singelas.

                                       Laerte Tavares




    Desenho de Rodrigo, sua santa de devoção e nome do nosso Estado. Imagem que tanto ele pintou, cantou, escreveu e produziu um extraordinário livro que levou de presente, junto a uma comitiva do Governo do Estado catarinense, ao Mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai, Egito. Para Rodrigo um milagre contínuo e perpetuado, presente em nosso tempo, é ter três religiões (Islamismo, Cristianismo e Judaísmo) proprietárias do bem, convivendo simultânea e harmonicamente, com seus ritos e liturgias diversas, no mesmo local em horários diferentes, frequentados por multidões de seguidores, em que nos arredores todos se aglomeram e convivem fraternalmente. É um milagre! – dizia Rodrigo, que interagiu com esse povo eclético.

 


Foto de nosso acervo

 

    
    Eis que é chegada a hora, o dia, o mês, o ano! E tu, vate imortal em ser humano, findaste-te à Terra, oh mestre! A tua alma poética singrou ao panteão dos deuses, enquanto Deus, no Reino da Glória, recebeu o teu espírito para o descanso eterno. Tua memória irá permanecer por tempo afora ao consumar dos anos de lembranças à tua obra perene. Porém, amigo, vai chegar a hora indefinida do esquecimento. Sabeis, agora, oh imortal de luz tão pura, que quando a luz da barca rompe o cerco e chega com aferro, com garras e com dentes, entre diáfanos nevoeiros, já não há tempo para o desespero; e num efêmero e longo suspiro, a luz de nossa vida é ofuscada e, repentinamente tudo é nada para ser tudo num outro plano onde deveis estar. Junto ao Altíssimo, vate, sabemos que vós contemplais nossos pobres espíritos a tentar buscar a luz do sonho, mas até chegar o dia, a hora, o mês e o ano para partir e vos encontrar no plano desse confuso e perfeito universo, espírito de luz. Hoje, canto em verso e prosa mansa, nossos entendimentos, para que sintas igual à criança que tu foste como ser humano, Rodrigo – em atrevido adulto que optou por ser um pobre artista rico do saber.
    Sabeis também, oh vate transcendente, que a vida é, talvez, qual luz de vela que ao leve sopro da brisa mansa e resfolegante, apaga ao entrar pela janela da casa antiga do Morro do Assopro, a encimar o belo promontório junto a secular capela de Nossa Senhora da Conceição, na bela Lagoa da Conceição, cantada em versos, a exemplo do hino de Zininho que tu, humano artista, o homenageaste em afresco na fachada da Caixa Econômica Federal da Praça XV, em Florianópolis.
    À partida de Rodrigo, aos prantos, a serra abraçou o mar ao enxugar seus olhos tristes. A terra dos ancestrais de Rodrigo, nascido em país europeu, aos eflúvios hibernais de São Joaquim, gelado, beijou a Ilha do Desterro desse artista.
    Os entes, entre querubins, silfos, ninfas, musas, serafins, arcanos, orixás, ao toque de uma trombeta sacra entoando uma canção bem popular, gravitando, levaram a alma do velho amigo – o bardo augusto, à morada eterna do céu preparada para o justo pecador, redimido pelas graças redentoras.


  São Galo (Imagem / internet)   
 

    O nosso pintor partiu no dia de São Galo (Saint Gall), o santo artista da música, falecido em 01 de julho de 554, descendente de família tradicional da corte da França, país onde Rodrigo nasceu. S. Galo era um servo dedicado às cerimônias da Santa Missa, causa que o levou a se especializar nos cânticos sacros. Relatos afirmam que além do talento à música, era dotado de uma excelente voz, capaz de encantar e atrair fiéis para ouvi-lo cantar no coro do convento. Em seus feitos, o mais citado, foi ter salvado a cidade de um incêndio que ameaçava transformar em cinzas as construções locais. Galo teria aplacado as chamas que se apagavam, conforme as suas orações eram entonadas.


  Cartaz / Rodrigo - Fundação Badesc

 

UM HINO A RODRIGO DE HARO
                                                        Autor: Laerte Tavares

Os anjos do céu, contentes,
Recebem o vate Rodrigo,
Na paz de Deus e ao abrigo
Da morada dos bons entes,
Dos justos e dos inocentes,
Cantando glória e louvor
A Deus Pai Nosso Senhor,
Por chegar mais um eleito
Triunfante pelo pleito 
Em vida, vivendo o amor.
 
Rodrigo partiu, mas resta
Da vida, a memória sua
Tão viva, que continua
Florindo em gloriosa festa
Perpetuada, e à testa
As suas obras completas
Entre pintores, poetas
E excelentes muralistas
Ou tantos demais artistas
Com baliza em mesmas metas.  

Deixaste, Rodrigo, enorme
Obra; e de conteúdo
Denso de beleza em tudo.
Por diversa, a ser conforme
Ao teu ser que à campa dorme,
Mas teu espírito glorioso
Dos céus, sob o eterno gozo
Da Luz do Pai Criador
Reflete o teu esplendor 
Em brilho resplendoroso.
 

ESTRIBILHO:

Cantemos Glórias ao ente
Em sua monumental obra
Que nos deixou de presente
Como excesso que, ora, sobra
Da grande alma indulgente.




Rodrigo à hora do nosso café semanal junto 
ao amigo  Pedro Port, grande poeta, quando 
declamávamos nossos mais recentes versos. 




Foto de Marcos Konder Reis 
(capa de excelente obra do 
confrade Artêmio Zanon)

Foto de Gilberto Gerlach - reprodução/
Rodrigo H - divulgação ND



Foto de Rodrigo e Sandra, em visita. 



Mosaico de anúncio do filme 
GENIALIDADE TOTAL



Poema a Rodrigo, aos seus oitenta anos.




Última foto que temos do amigo Rodrigo com 
nossa querida amiga Leila, esposa do artista
 plástico  Idésio Leal, que com fidelidade canina 
acompanharam Rodrigo até o último leito. 
Junto a foto, que a pedido dele, Leila  nos encaminhou.

Com a fotografia, Leila escreveu-nos:

"Hoje reparei que o azul do céu estava intenso; que havia um formato um pouco surrealista nas nuvens, em pleno meio-dia; que os raios de sol entravam pelas janelas do quarto e faziam aqueles desenhos clubistas na parede branca. Sim, era mais uma manhã de inverno, eu e meu querido Rodrigo de Haro contemplando nosso jardim." Leila Leal.